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Orientações sobre divulgação de informação relativa a infetados por Covid-19

Fev 15, 2021 | Covid-19

Orientações de 22 de abril de 2020 – Orientações sobre divulgação de informação relativa a infetados por Covid-19

Têm chegado à CNPD queixas de cidadãos que, após diagnóstico de Covid-19, veem os seus dados pessoais, de identificação e contacto, incluindo de crianças, expostos na Internet por autarquias locais. Por vezes não expõem os dados pessoais dos infetados, mas disponibilizam informação discriminada por freguesia, permitindo a fácil identificação dos doentes. Por isso, a CNPD considerou pertinente emitir orientações, para garantir que a publicação da informação relativa à pandemia respeite a proteção de dados pessoais.

https://www.uc.pt/protecao-de-dados/suporte/20200422_cnpd_orientacoes_divulgacao_informacao_infetados_covid_19

Têm chegado à CNPD queixas de cidadãos que, após diagnóstico de Covid-19, veem os seus dados pessoais, de identificação e contacto, incluindo de crianças, expostos na Internet por autarquias locais. Por vezes não expõem os dados pessoais dos infetados, mas disponibilizam informação discriminada por freguesia, permitindo a fácil identificação dos doentes. Por isso, a CNPD considerou pertinente emitir orientações, para garantir que a publicação da informação relativa à pandemia respeite a proteção de dados pessoais.

Na sequência da pandemia decorrente do novo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença Covid-19 a importância da transparência das autoridades de saúde relativamente à evolução da epidemia e à sua atuação sobre a mesma tem-se mostrado fundamental para que a população compreenda as medidas adotadas, as escrutine e, sobretudo, para que haja a colaboração cívica que se mostra imprescindível em momentos de crise. É neste âmbito que se verifica a divulgação e disponibilização diária de informação, efetuada pela Autoridade Nacional de Saúde, com totais nacionais de casos suspeitos, confirmados, recuperados e óbitos, bem como a distribuição regional do número de infetados e de óbitos. É possível ainda no sítio da Direção Geral de Saúde (DGS) obter-se informação pormenorizada do número de infetados e de óbitos por concelho (1).

Os dados disponibilizados publicamente pela DGS são fonte da informação para os órgãos de comunicação social e para entidades públicas e privadas que entendem dar-lhe visibilidade, de entre as quais se destacam os sítios institucionais dos municípios que, compreensivelmente, para dar tranquilidade às suas populações, têm publicado informação relativa à sua área territorial.
É sobre estas últimas que têm chegado à CNPD queixas de cidadãos que veem os seus dados pessoais, de identificação e contacto (2), incluindo de crianças, expostos nas páginas e nas redes sociais da responsabilidade da autarquia local, após a confirmação do diagnóstico de Covid-19. Algumas autarquias locais não expõem os dados pessoais dos infetados, mas disponibilizam informação discriminada por freguesia, sem acautelarem o diminuto número de casos, os quais facilmente reconduzem, especialmente em pequenas localidades, à identificação dos doentes.

Não cabe neste documento averiguar o modo como tal informação chega ao conhecimento dos municípios e freguesias, embora não seja de mais relembrar que tanto os serviços de saúde da área, como as autoridades locais ou regionais de saúde, continuam obrigados a sigilo, seja por força das regras deontológicas a que estão sujeitos, seja pelas obrigações legais a que estão adstritos, de entre as quais se encontram as regras de proteção de dados. Do mesmo modo, o legítimo conhecimento da identidade das pessoas sujeitas a isolamento profilático pelas forças de segurança está sujeito a sigilo.

É neste quadro, e no exercício das suas atribuições e competências (3), que a Comissão Nacional de Proteção de Dados vem definir, de forma sucinta, orientações de modo a garantir a conformidade da publicação da informação relativa à evolução da pandemia em respeito pelo regime jurídico de proteção de dados (4).

  1. As autarquias locais não podem publicar dados de saúde com identificação das pessoas a quem os mesmos dizem respeito.
    Na verdade, esta informação está sujeita a um regime jurídico especialmente protegido, por corresponder a uma categoria de dados pessoais que é suscetível de gerar ou promover a estigmatização e a discriminação dos respetivos titulares (5). E, na realidade, ainda que as autarquias locais aleguem necessitar de conhecer e divulgar dados de saúde identificados ou individualizados para a prossecução da sua missão genérica de garantir a saúde e a proteção civil das populações locais, esse tratamento dos dados dependeria de uma norma legal que o previsse e que especificamente acautelasse os direitos e interesses dos titulares dos dados (6). Ora, tal previsão legal não existe.

A outra hipótese em que se poderia fundamentar este tratamento e que corresponde ao consentimento dos titulares dos dados pessoais, dificilmente será neste contexto verificável. Com efeito, considerando a evidente situação de vulnerabilidade das pessoas que se encontram contaminadas pelo vírus, bem como a sua situação de dependência da intervenção das autoridades públicas, não se vê que as condições de emissão de um consentimento livre se verifiquem em concreto (7).

De todo o modo, uma tal divulgação pública sempre se terá por desproporcionada, pelo impacto negativo que tem na vida das pessoas contaminadas – reitera-se, algumas das quais crianças –, com restrição excessiva dos seus direitos fundamentais, sem que se possa afirmar que a vantagem diretamente decorrente dessa divulgação, a existir, não é alcançável por outras vias menos lesivas e intrusivas da vida privada das pessoas (8).

  1. Pelas mesmas razões, também não podem ser publicados dados de saúde, mesmo sem identificação dos doentes, quando o seu reduzido número numa determinada circunscrição territorial, em função da respetiva dimensão populacional, permita a identificação das pessoas contaminadas.
    Na realidade, são vários as situações relatadas à CNPD em que há divulgação de um ou dois infetados numa determinada freguesia. Quando a dimensão territorial da freguesia e o número de cidadãos que aí residem são reduzidos, é fácil identificar as pessoas que se encontram doentes. Por essa razão, esta informação de saúde cabe ainda no conceito de dados pessoais, por serem facilmente identificáveis as pessoas às quais a mesma diz respeito, e está por isso sujeita ao regime jurídico de proteção de dados pessoais. Considerando que, com a identificação dos doentes, se verifica o mesmo tipo de impacto na vida privada dos doentes, só pode concluir-se pela falta de legitimidade por parte das autarquias locais para a publicação desses dados, assim como pela desproporcionalidade desta publicação.

A CNPD recorda que as autarquias locais, no âmbito da sua autonomia e do legítimo desempenho da sua missão de garantia da saúde e da proteção civil, se devem abster de adotar iniciativas que impliquem a recolha e a divulgação de dados pessoais dos seus concidadãos quando as mesmas não tenham base legal, nem sejam execução de orientações da autoridade nacional de saúde.

Lisboa, 22 de abril de 2020


(1) Por razões de confidencialidade e proteção de dados, a DGS não disponibiliza informação desagregada quando o número de infetados no Concelho é inferior a três.

(2) E, pelo menos num caso, é publicada a etnia do doente.

(3) Cf. alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 57.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do Regulamento 2016/679, de 27 de abril de 2016 (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados – RGPD) e artigos 3.º e 6.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto.

(4) A presente orientação não incide sobre o tratamento de dados pessoais relativos à saúde para a finalidade de investigação epidemiológica, que está regulado por lei.

(5) Cf. n.º 1 do artigo 9.º do RGPD.

(6) Cf. alínea e) do n.º 1 do artigo 6.º e alínea i) do n.º 2 do artigo 9.º do RGPD. Importa, contudo, assinalar que é duvidoso que a prossecução do interesse público de saúde pública seja diretamente atribuição das autarquias locais, pelo menos na vertente de prevenção e combate de uma concreta epidemia, em face do estatuído nos artigos 2.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de janeiro (com eventual ressalva de decisão da autoridade nacional de saúde pública no sentido de as encarregar de algumas das suas tarefas); nessa sequência, poder-se-ia porventura equacionar a alínea g) do n.º 1 do artigo 9.º do RGPD, mas mais uma vez a sua invocação depende de norma legal expressa e com medidas específicas e adequadas à proteção dos direitos dos titulares dos dados, que não se existe no ordenamento jurídico nacional.

(7) Como impõe o artigo 4.º, alínea 11), do RGPD, em conjugação com a alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º do mesmo diploma.

(8) Cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do RGPD.